terça-feira, 19 de agosto de 2008

Artista plástico é "descoberto" !

Acabo de ler essa matéria que saiu no Estadão e queria compartilhar com vocês. É sobre um artista plástico, que trabalha com pintura automotiva para sobreviver e foi 'descoberto' por um crítico de arte. Infelizmente a arte ainda é muito comercial e os artistas se perdem na dependência de um sistema complexo. Quantos artista bons podem estar perto de nós e nem nos damos conta? O Bernnô agora vai ser destaque porque um crítico de arte disse que ele era bom! Parece que as pessoas não têm opinião própria....Será que é um reflexo da má educação artística?!?!?!?



José Bernnô, o funileiro descoberto pelo crítico de arte


Rodrigo Naves se encantou com a 'alegria arisca' das pinturas do artista que faz sua 1.ª individual aos 59 anos

Camila Molina, de O Estado de S. Paulo

O ateliê de José Bernnô, dentro de sua funilaria, na zona norte de São Paulo

O ateliê de José Bernnô, dentro de sua funilaria, na zona norte de São Paulo

Tiago Queiroz/AE


SÃO PAULO - Há quem deixe o carro pifado na Oficina Onix Import, no bairro do Limão, e, preocupado com a "rebimboca da parafuseta", nem se dê conta: uma série de pinturas geométricas está exposta na grande parede lateral do lugar; ao lado, uma mesa abriga pincéis, tubos de tinta, paletas - como no ateliê de um artista. "Tem gente que vem aqui e nem tem sensibilidade para a arte", diz José Norberto de Mattos, o José Bernnô.

Dono da Oficina Onix Import, ele, de cara, faz questão de deixar claro: não é funileiro, mas pintor. Não importa que, na década de 1980 tenha sobrevivido de pinturas personalizadas para carros - agora, cativa a atenção de críticos, artistas e público com uma exposição individual de seus quadros no Estúdio Buck, na Vila Olímpia. Bernnô está feliz com sua valorização recente como pintor.

Quem acionou esse "motor de arranque" foi o crítico Rodrigo Naves , que entrou na Oficina Onix para deixar o carro no conserto... e se encantou de cara com a "alegria arisca" das pinturas nas telas enfileiradas, onde habitualmente haveria pôsteres de erotismo explícito.

Foi Naves quem apresentou as pinturas de Bernnô para o marchand Maurício Buck. "Estava com dificuldade de encontrar artistas novos fazendo pintura e, quando vi as obras dele, disse que mudaria o calendário da galeria para fazer sua exposição", conta Buck. Das mais de 40 obras expostas na mostra José Bernnô - A Matéria da Pintura, com curadoria de Cauê Alves, o marchand afirma já ter vendido 90% delas. "O negócio dele é a cor, ele não tem medo de usá-la, faz uma combinação nova, interessante", diz ainda Buck.

Mas o sucesso de Bernnô, agora, aos 59 anos, não é fruto do acaso, é bom ressaltar. Formado em mecânica de automóveis pelo Senai, porque sua mãe o matriculou no curso - para que tivesse um ofício e "não crescesse na rua" -, projetista em escritórios de arquitetura quando estava na faixa dos 20 anos, personalizador de carros durante a década de 1980 e músico também, baixista, desde a adolescência, Bernnô sempre soube que seria uma homem de múltiplas paixões.

"Com 14 anos, começou minha relação com os automóveis. Mas também não era só isso, eu tinha outros anseios. Desde cedo, eu sempre quis mudar meu processo, sentia algo que sinto até hoje: queria ser valorizado", diz. Com o dinheiro que ganhou personalizando carros com pinturas, o artista pôde, com 35 anos, entrar no curso de artes plásticas da Faculdade de Belas Artes de São Paulo (se formou em 1987). "Pintei muitos carros e motos naquele tempo, mas sentia que era arte aplicada e não me entusiasmava. Isso foi importante, me incentivou, foi com o dinheiro que ganhei com os carros que pude pagar a minha faculdade, a Belas Artes, que é cara até hoje! Fiz o curso até o fim, saí premiado de lá pela minha pintura, ganhei bolsa de um semestre de graça."

Desde então, Bernnô vai cada vez mais ficando imerso no universo da pintura e da história da arte, sempre estudando e fazendo cursos - entre eles, com os pintores Paulo Pasta e Marco Giannotti. "Quando tenho uma dúvida sobre que cor usar, corro para folhear o livro sobre Matisse", conta. Cita também outros ídolos-pintores como Guignard, Volpi, Maria Leontina, "melhor que Tarsila e Anita". E adentra ainda mais no discurso formalista e de essência de sua própria pintura, definindo que a geometria de suas obras vem da observação "das casas simples"; que as massas de cores de seus quadros "transformam o corpo em luz"; e que as texturas dos trabalhos "têm sensualidade", nada da frieza construtiva.

Como Cézanne

"Cézanne tinha uns 56 ou 57 anos quando fez sua primeira individual", ele comemora a coincidência com sua própria trajetória de artista temporão. "Eu já vendi quase tudo da minha exposição", exulta. Nesta primeira mostra individual em galeria, o preço de suas obras, realizadas entre 2005 e 2008, já está variando entre R$ 1 mil e R$ 19,2 mil - mas o marchand já pensa em ajustar os valores para até R$ 35 mil.

Bernnô nasceu em 16 de fevereiro de 1949, paulistano do bairro da Pompéia. "Mas com um ano já vim para o Limão e não me mudei daqui", conta. Habilidoso como seu avô materno, ele diz, personalizou sua bicicleta quando criança. Depois, pintou uma Nossa Senhora em um caminhão, fez ao longo de sua vida pinturas figurativas - principalmente, retratos de amigos e de músicos - até chegar ao atual estágio, em que se dedica apenas à abstração geométrica. Com os novos ventos de sua valorização, Bernnô já pensa até mesmo em ter um ateliê próprio, fora da Oficina Onix. Atualmente, é no meio de toda a dinâmica da oficina que ele cria suas obras e é também naquele galpão que guarda suas dezenas e dezenas de telas (grandes, pequenas, pinturas sobre papelão e chapas de aço) - algumas são protegidas por sacos plásticos para não se danificarem.

"Tenho dois funileiros, três pintores, um polidor e o Sidney, meu ajudante, na oficina. O Sidney vai recebendo os clientes e eu vou só olhando. A gente trabalha bem mesmo na área de funilaria e pintura. Mas no final da tarde, lá pelas 5 ou 6 horas, a turma vai embora e eu fico aqui até tarde pintando", conta Bernnô. Para se isolar na sua "cozinha" de pintura, seu pequeno espaço de ateliê, Bernnô coloca um protetor de ouvido, luvas e máscara - porque teve, há dois anos, uma forte intoxicação causada pelas tintas. "Uso óleo porque temos uma tradição de pintura, mas também cera e tinta automotiva. E gosto de usar a tinta inglesa Newton Winton, R$ 45 o tubo, e a francesa Louvre. Todos os bons pintores as usam", justifica Bernnô. Como se precisasse.


http://www.estadao.com.br/arteelazer/not_art226290,0.htm


Karlene Braga


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